CORRERIA

Em terra de Saci,
Quem tem uma perna só
Pode até dar voadora.
Mas quem não pode com mandinga
É que não carrega patuá.

Apesar de ser azeda,
Doce quando doce,
Não tenho no nome açucar
Pra ficar me degustando,
Nem tônica pra conversa,
Nem métrica pra poema,
Nem peso pra microfone,
Nem morada pra sua mente.

Império de sal,
Meu gosto é caos,
Língua afiada,quebranto
E repente mandando letra.

Pára o pensamento se passar na minha frente,
Trava os pés no chão pra não ser levado pela correnteza.
Porque feitiço é só pra quem não tem cabeça feita,
Nem malandragem com despacho na encruzilhada.

Sou que nem cabeça d'água,
Navalha afiada na brasa,
Trator em beira de estrada,
Dedo apontado na cara,
Tempestade bebida no gole,
Tufão desgovernado escancarando a porta.

Quero ver chegar como cheguei
Fazer como eu fiz
Ficar como fiquei
Seguir como segui
E ser o "X".

Do chão me levantei,
Das cinzas ressurgi.
Seta solta a riscar ar,
Ventania, revoada
Na missão desesperada
Desse pra sempre caminhar.

2 comentários:

  1. em uma olhada, de superfície, determino minha leitura partindo de uma cena provocada por um verso específico do seu poema: "nem métrica pra poema". tenho pensado, em muito, na constituição efetiva dessa modalidade -- ainda sem discussão adequada no Brasil -- dos estatutos de composição do verso livre. adianto um oxímoro: mesmo no verso livre, existe uma sombra de forma fixa [seja na dimensão medida do verso "tradicional", seja na dimensão de uma polimetria controlada, seja na perspectiva de determinados elementos estruturantes que "seguram" e "asseguram" o verso como verso, e não como mera "prosa do mundo". a provocação do verso é basilar de um -- ou mais -- elementos de discussão na pauta proposta. mas vou me ater em, e talvez somente, no ponto ativo da constituição do verso livre, com o assombramento de um "metro fantasma" [vide chociay e paulo henriques britto]. dentro do poema, diz-se assim, com toda uma dinâmica versilibrista, o texto se equilibra com um metro recorrente -- e, na medida, estruturante -- que acaba garantindo, eventualmente, certa regularidade rítmica. o verso fantasma do poema postado é a redondilha maior (o famosíssimo setissílabo; o metro, por exemplo, do "autopsicografia" de Fernando Pessoa. A recorrência da medida se dá, não menos, em 14 dos 38 versos que compõe o texto. coisa de, aproximadamente, 1/4 do poema. de modo geral os versos são medidos em metros, relativamente, regulares. havendo, de fato, apenas 4 versos, digamos, mais selvagens [ou esdrúxulos]. na contraparte, tais versos, em dois deles, temos uma sequencia, violentíssima, de pés binários [seja na cadeia do troqueu -- forte-fraco; seja na cadeia do jâmbico -- fraco-forte]. as dinâmicas quaternárias, também aparecem em número considerável. ou seja, muito mais próximo da caminhada, que da dança. Mas, o que interessa, de fato, é: o uso, consciente ou inconsciente, no caso, desinteressam completamente. Importa, sim, dizer que: o registro de oralidade do poema está, perfeitamente, coadunado ao uso -- como sombra ou assombração -- da redondilha maior; de vez que é a respiração, naturalizada, de nossa prosódia. como o poema discute, factualmente, com a música falada do rap, funciona de modo efetivo em suas oscilações, compensatórias, do ritmo. em um registro de enjambement em nível quase zerado, com pausas fortes no final, o poema, em verso livre, no caso, respeita à tradição fundante da modalidade; encontrada em whitman, por exemplo. uma breve, espero, entrada para discussões futuras. abraços. Capilé.

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