SUSTENIDO


                                                                 (para Marcos Vinícius Netto)

Não creio em deuses que não dançam,
Que não têm febre,
Não choram com canções,
Não calam vozes,
Não fumam a vida,
Não romantizam relações,
E não amam como fera.

Não creio na flor que desabrocha em machado
O escândalo, tal qual machismo que entope
A artéia estéril da  suposta sanidade.
Que não faz do orvalho cachaça,
Não se embebada com palavras,
Não vai pra rua e bebe a tempestade.

Ah! Maravilhosa gente humana que vive como cães,
Não esconde esqueletos no armário,
Não emerge bulimia dos banheiros,
Não transparece angústia,
Não transveste seus programas
Nesse estar descontente que é do homem

- Silêncios de uma nau,
Vácuo, o momento, o lugar,
A alegre inconsciência -



A consciência dessa incerteza que quer
Qualquer impossível calma,
Qualquer coisa que não vida,
Sendo, em si mesmo, instante,
Todo cais uma saudade de pedra,
Um pouquinho de saúde
E qualquer descanso na loucura.


À BEIRA DO MUNDO

                  [para André (Rapace) Capilé]

Come come dos trópicos,
Devorador de sílaba,
Tributador de escriba,
Rapase de verso branco,
Passa pente de esquina.

Triturador de gesto,
Ciclorama decomposto em verbo,
Rum, rumpí, lê e terreiro yorubanto.


Um quase outro
Um quase nada
Um quase tudo
Um quase

Que não pode ser,
Se é que existe breve,

Canibália da escrita.